Um taxista afirmou que, enquanto o Comando Vermelho não tomar o Morro dos Macacos, os tiroteios irão continuar. “
O Morro São João (Engenho Novo) é do CV, o da Mangueira também. Eles não sossegam enquanto não tomarem (o Morro dos Macacos). E vamos combinar o Rio de Janeiro é um vale cercado de morros por todos os lados”, disse.
Clientela não fica mais até altas horas nas ruas
De acordo com o Centro de Pesquisa e Análise da Informação do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi Rio), o metro quadrado para venda em Vila Isabel passou de R$ 5.370, em março de 2024 para R$ 5.269 em dezembro do mesmo ano. Já o aluguel, o metro quadrado estava em R$ 24,47 em março e, no último mês de 2024, ficou em R$ 26,35. “Vale destacar que o aluguel se manteve porque geralmente existe um contrato de locação e o valor não muda de uma hora para outra, precisando seguir o contrato. Já a venda pode acontecer mesmo que o proprietário ainda esteja morando no imóvel. E às vezes uma negociação leva mais tempo” explica a assessoria da Secovi Rio.
Um dos donos do Bar Parada Obrigatória, situado na esquina da Boulevard 28 de Setembro com Rua Souza Franco, Manoel de Assis reclama que o movimento da clientela caiu muito por causa dos tiroteios. “Agora quando dá 20h, todo mundo vai embora. Engraçado que o aluguel do ponto não diminuiu. Estou aqui há um ano e meio e pensando em sair e abrir outro negócio na Zona Sul”, desabafa.
Até salas para escritórios ou outros negócios estão sendo postas à venda. No Centro Comercial II, na Boulevard 28 de Setembro 112, das 20 salas, quatro estão à venda e, segundo o porteiro Edjan Rawllinson, de 46 anos, não há procura.
“É perto da Mangueira e atrás fica o Morro dos Macacos. Quem vai querer?”, afirma ele, que trabalha no prédio desde 1999.
Prisioneira no próprio lar
Uma mulher que teve sua geladeira atingida por uma bala que quebrou a janela do seu apartamento perto da comunidade em Vila Isabel, em 29 de dezembro do ano passado, voltou a desabafar:
A advogada Danielle Ribeiro, de 45 anos, assim como muitos moradores, também sofreu por conta dos tiroteios. “Morei dez anos na Rua Jerônimo de Lemos. No decorrer do tempo, essa rua passou a ser mal vista. As pessoas começaram a dizer que era uma rua perigosa, tanto a Jerônimo de Lemos como a Emília Sampaio, que era uma transversal. O prédio tinha portaria 24 horas, com garagem, elevador e play, mas tinha essa sensação de insegurança. Às vezes o aplicativo de corridas exibia como área de risco quando eu pedia para voltar para casa e também tinha parentes que não gostavam de ir lá, porque falavam que era perigoso”, disse a advogada, que se mudou do bairro por conta da insegurança.
“Já teve morador do meu prédio assaltado entrando na garagem. Já teve assalto com morte na rua, na frente do meu prédio. Então, tanto nessa minha rua quanto na rua Emília Sampaio, tinham muitos assaltos. Eu mesma fui assaltada uma vez, também bem na frente do prédio. Eu tinha saído e estava esperando o Uber na frente do edifício quando aconteceu”, afirma.
Vender também não foi uma tarefa fácil. “Recebia poucas visitas. Acho que (o apartamento) ficou quase uns três anos para vender mesmo em várias imobiliárias. Como não aparecia visita, eu ia abaixando o preço, ia abaixando o preço, até que eu consegui vender em meados de 2023, mas realmente eu não sei, se eu não tivesse vendido agora do jeito que está a situação, como é que seria? Se eu não conseguiria, ou se teria que baixar mais ainda o preço?”, indaga Danielle.
A vendedora Salete Alves, de 55 anos, mora em uma das ruas perpendiculares à Boulevard 28 de Setembro e afirma que a desvalorização de imóveis é grande.
“Em todos os prédios têm, pelo menos, um apartamento vendendo e com certeza por um preço bem abaixo do que vale. Resolvi morar em Vila Isabel porque era um bairro calmo, residencial, mas hoje estou bem triste, com medo de andar pelo lugar. Não temos mais tranquilidade nem em casa porque o tiroteio entre traficantes já perdeu o rumo. As balas já não são perdidas e isso entristece porque são bairros de pessoas idosas e eles não querem mais sair de casa”, revolta-se Salete, que se sente aviltada no direito de ir e vir.
“Os traficantes já não têm mais medo de nada, já não tem medo de polícia, já não se intimidam com mais nada. A intimidação é nossa, que temos que ficar em casa, temos horário para chegar em casa. O Segurança Presente de Vila Isabel não dá conta de todo o bairro”, completa.
A bióloga Rita de Carvalho, de 34 anos, mora fora do Rio e tem um apartamento em Vila Isabel que acaba de ser desalugado. “Uma pena que nossa cidade esteja sempre à mercê do tráfico e que não haja polícia nem estado dispostos a enfrentá-los com investigação, inteligência e seriedade, respeitando os direitos humanos e o direito da população de ir e vir. Vila Isabel é um bairro de grande importância na construção da cultura carioca, com tanta história. É lamentável que quem vive no bairro, tem negócios ou trabalha no bairro, esteja sempre em risco. O estado precisa se apropriar da segurança como obrigação, sem se render a política e a concessões escusas”, diz.
Empreendimento novo
Na contramão da história, a especulação imobiliária também existe. Apesar da desvalorização dos imóveis, muita gente aposta que a violência no bairro de Martinho da Vila em breve irá acabar. A Imobiliária Meu Crescer está com um empreendimento novo com toda estrutura, inclusive piscina, na Rua Senador Nabuco, esquina com Souza Franco. Um imóvel com dois quartos e varada estará sendo vendido a partir de R$ 299 mil.
Presidente da Associação de Moradores e Empresários de Vila Isabel, Grajaú, Andaraí e Maracanã, a síndica Mônica Lahmann é contrárias às opiniões recorrentes.
“No grupo de WhatsApp dos empresários dos bairros, as profissionais corretoras de imóveis não têm sentido essa “desvalorização”, pelo contrário. Estou fazendo a “ponte” entre alguns moradores e eles não estão conseguindo imóveis vazios. O mesmo ocorre com as lojas, os aluguéis aumentaram. Nos condomínios que administro, inclusive um que está localizado na divisa entre Vila Isabel e Engenho Novo, não há a intenção de venda por esta razão. Os imóveis à venda estão por movimentação imobiliária natural, após o ‘boom’ da Copa do Mundo e Olimpíada, os proprietários, na sua maioria espólios, colocaram à venda os imóveis para partilha”, pontua.
Mortes, medo e tristeza
Os confrontos entre os traficantes desde o ano passado com mais frequência evidenciam mais uma sangrenta tentativa de expansão do Comando Vermelho no estado. Esses conflitos também expõem o alto poder de armamento nas mãos dos traficantes e preocupam as autoridades.
De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, foram 68 confrontos em 2024, que deixaram 11 mortos e 9 feridos. Já entre 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023 o Instituto registrou 17 ocorrências de tiros no Morro dos Macacos, com o total de uma pessoa morta e nenhum ferido.