O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou um rastro de movimentações milionárias, repasses suspeitos e saques fracionados que reforçam a ligação direta entre empresários de Brasília e duas associações que lucraram R$ 263 milhões por meio de descontos aplicados sobre aposentadorias do INSS. As entidades, registradas formalmente em nome de aposentados, eram, segundo os indícios, controladas de fato por empresários do setor de seguros e clubes de benefícios.
As descobertas aprofundam o escândalo revelado pela série Farra do INSS, publicada pelo Metrópoles, que expôs um sistema de exploração de aposentados de baixa renda em diferentes regiões do país. As associações miravam especialmente moradores das periferias de Brasília, São Paulo e Belo Horizonte — um público vulnerável e com baixa capacidade de contestar cobranças indevidas.
Segundo os relatórios do Coaf, os empresários Gutemberg Tito e Zacarias Canuto Sobrinho — já citados na série investigativa — surgem novamente como personagens centrais no esquema. Eles controlam a empresa Thinking Blue, fornecedora de serviços oferecidos a aposentados vinculados à União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap) e à Associação de Amparo aos Aposentados e Pensionistas do Brasil, atualmente chamada Ampaben, mas que, durante o auge do esquema, operava sob o nome Abenprev.
A Unibap faturou R$ 183 milhões em descontos aplicados diretamente no benefício dos aposentados. A Abenprev/Ampaben arrecadou outros R$ 80 milhões. Grande parte desse montante, segundo o Coaf, não permaneceu nas entidades — foi redirecionada para empresas ligadas à dupla.
A Thinking Blue recebeu R$ 1,8 milhão provenientes das associações. Outra empresa, também ligada aos empresários, foi beneficiada com R$ 11 milhões apenas da Abenprev. Em um dos casos mais reveladores, uma única transferência de R$ 290 mil foi enviada diretamente para a conta de Zacarias logo após repasses das entidades.
As movimentações chamaram atenção do órgão de controle não só pelos valores elevados, mas também pelo padrão identificado: saques fracionados, transferências sucessivas entre empresas do mesmo grupo e movimentações incompatíveis com o porte financeiro de associações que supostamente deveriam existir para benefício de aposentados carentes.
Gutemberg Tito, segundo o relatório, aparece realizando saques fracionados de valores expressivos “na boca do caixa” — uma prática típica de quem busca evitar alertas automáticos do sistema bancário.
Embora legalmente registradas em nome de aposentados, as associações funcionavam como uma engrenagem de arrecadação contínua. O modelo consistia em filiar aposentados mediante promessas de serviços baratos — jurídico, de saúde ou de benefícios — e depois aplicar descontos mensais diretamente no benefício previdenciário.
Na prática, porém, grande parte da receita era desviada para empresas privadas controladas por Tito e Zacarias, mostrando um arranjo que, de acordo com investigações, tinha como objetivo central o enriquecimento dos empresários, e não o apoio às famílias de baixa renda que arcavam com os descontos.
Os empresários citados também enfrentam processos e questionamentos judiciais relacionados a descontos indevidos em débitos automáticos feitos via bancos, envolvendo empresas de seguros e clubes de benefícios que operavam com práticas semelhantes às das associações agora sob escrutínio.
Com o novo material do Coaf, autoridades federais avaliam aprofundar o cerco contra as entidades, seus controladores de fato e o fluxo financeiro que sustenta o esquema. A expectativa é que as informações reforcem investigações administrativas e penais em curso.
Enquanto isso, milhares de aposentados que tiveram parte da renda comprometida seguem buscando, na Justiça, a reparação por cobranças que jamais autorizaram — ou sequer sabiam que existiam.





